• Por que conhecer meu genoma permite que eu tome melhores decisões para minha saúde

    Daniel Schneider com o filho, Benjamin, antes da pandemia (e antes de sequenciar o DNA)
    Jose Renato Junior | 27 ago 2021

    Sou fascinado por genética desde que ouvi falar pela primeira vez sobre o assunto. Aquela fita dupla altamente organizada e inteligentemente retorcida de moléculas de origem ainda misteriosa, que compacta 6,1 bilhões de pares de letrinhas no núcleo de cada uma das nossas dezenas de trilhões de células, guarda o segredo da vida, o manual de instruções de nosso organismo.

    Descobri muitas coisas interessantes a partir de testes simples de DNA, mais precisamente denominados “testes de ancestralidade” – por exemplo, que meu pai e minha mãe são primos e que eu tenho um “novo” bisavô. 

    Sobre essas descobertas, tratei no que vou chamar de “parte 1” deste artigo, publicado pelo Projeto Draft neste link. Aqui em Future Health você lê uma continuação do texto, no qual trato mais sobre as descobertas de saúde.

    Esses testes de ancestralidade não são aqueles “testes de paternidade” que programas sensacionalistas adoram explorar na TV e cujo resultado costuma se assemelhar ao de uma patologia: positivo, negativo ou duvidoso. Mas eles também servem para questões importantes de saúde.

    Eles custam hoje entre R$ 200 e R$ 400 aqui no Brasil e leem, em média, cerca de 650 mil SNPs no seu DNA. Pronunciada “snip”, SNP é a sigla inglesa para Polimorfismo de Nucleotídeo Único e se refere às variações nas letras do DNA. 

    Essa quantidade mencionada corresponde a apenas cerca de 0,02% do genoma, mas esses trechos são selecionados de modo a terem muita utilidade não só para entendermos quem somos e de onde viemos.

    Por um valor extra, quase todas as empresas que comercializam esses testes oferecem versões que também entregam outros relatórios, além da ancestralidade, como curiosidades (porcentagem neandertal, traços físicos como cor dos olhos ou tipo sanguíneo e traços comportamentais como propensão a jogos de azar) e relatórios de saúde.

    Esses últimos incluem a identificação de variantes patogênicas ou potencialmente patogênicas no seu DNA, a análise farmacogenômica (que avalia como seu organismo tende a reagir a variados medicamentos) e a nutrigenômica, que traz conselhos alimentares baseados no seu genoma, análises de variações no metabolismo (por exemplo, com recomendações de exercícios físicos personalizados) e outras coisas do tipo.

    Nesse campo, a maior parte das informações vem de forma inesperada, tanto do ponto de vista positivo (você saber que não é portador(a) de variantes patogênicas graves, por exemplo) quanto negativo (descobrir uma combinação que tem chances altas de resultar em doença).

    Ou, simplesmente, pontos de atenção: por exemplo, possuir uma variante que, sozinha, não causa doença, mas pode causar se combinada a outra igual (como fibrose cística ou intolerância à frutose). Nesse caso, você pode contar com aconselhamento genético para planejar uma gravidez de forma mais consciente.

    UMA VARIANTE QUE NÃO SE DÁ COM… CLOROQUINA

    Daniel Schneider é jornalista científico e tem na genômica e na genealogia genética seu hobby preferido

    No meu caso, descobrimos numa pessoa da família uma variante que, embora não seja grave por si só, pode ter efeitos severos em determinadas circunstâncias. 

    De modo que o simples fato de conhecer seu genoma pode salvar sua vida ou evitar sequelas, além de servir para outras gerações também. 

    Essa variante de que estou falando causa uma alteração na proteína G6PD que resulta num grau de deficiência na superfície das hemácias. 

    Em determinadas situações, elas podem se quebrar mais rapidamente do que o organismo consegue repor, resultando numa anemia hemolítica que pode levar a óbito. 

    Dentre essas situações, estão algumas infecções (como malária ou dengue, por exemplo) e alguns medicamentos, como um que combate malária e se tornou famoso recentemente: cloroquina. 

    Pessoas com deficiência de G6PD (e seus profissionais de saúde) deveriam, portanto, levar essa informação em consideração na hora de escolherem um medicamento, ou mesmo um alimento. 

    Comer favas em excesso é outro ato que pode ter efeitos graves em pessoas com essa genética. Imagine então o resultado do suposto “tratamento precoce” contra Covid-19…

    Todas essas informações continuam sendo possíveis a partir dos testes que citei, que são feitos pela técnica conhecida como genotipagem (SNP microarrays). 

    A precisão dessa técnica é de cerca de 99%. Portanto, a confiabilidade é alta para essa quantidade de variantes analisadas. Mas existem técnicas mais precisas.

    SEQUENCIAMENTO COMPLETO DO DNA E MAIS SIGLAS DE 3 LETRAS

    Laboratório com máquinas de “Sequenciamento Genético de Nova Geração” (NGS)

    Quando se fala em genômica, não faltam acrônimos de três letras. Aqui trago mais dois: WES e WGS, que se referem, respectivamente, aos sequenciamentos completos do Exoma e do Genoma.

    Qual desses dois você acha que é o conjunto de genes? 

    Contraintuitivamente, acertou quem disse “exoma”. Isso porque nosso DNA não é formado apenas por genes. Grosso modo, genes são os trechos do DNA que codificam proteínas e correspondem a apenas cerca de 1% do código genético. 

    A maior parte do genoma, na verdade, contém trechos com outros tipos de funcionalidade. Alguns desses regulam a expressão dos genes, por exemplo, e por isso são muito importantes. 

    Mas não vamos entrar em detalhes neste texto. Aqui, basta que você saiba que existem sequenciamentos que leem o exoma e também sequenciamentos que leem o genoma inteiro.

    De modo geral, os profissionais de saúde que precisam avaliar possíveis alterações genéticas pedem o teste do exoma. Isso porque a maior parte das variantes patogênicas conhecidas estão nos genes, onde costumam ter maior potencial de estrago (alterando forma e função de uma proteína, por exemplo). 

    Os testes focados no exoma normalmente o fazem com alta taxa de leitura. É comum encontrar testes que leem cada gene em média 130 vezes, para maximizar a confiabilidade das leituras. Esses testes são conhecidos como 130x WES. 

    Como você deve ter deduzido, são testes mais caros, na faixa dos milhares de reais, a depender do laboratório, da finalidade e de fornecerem ou não o arquivo com os dados do DNA para uso posterior.

    O sequenciamento completo do genoma, por sua vez, embora também possa ser feito com taxas de leitura tão altas quanto 100 ou 150x, é mais comumente encontrado no sabor 30x WGS. Isso significa que, em média, cada letra do seu DNA é lida cerca de 30 vezes. 

    A diferença de precisão entre 30x e 100x ou 150x já se mostrou útil em alguns casos, mas, na prática, é tão pequena que só é justificada para casos muito raros, que podem se beneficiar de uma investigação com nível máximo de precisão. 

    Para a grande maioria, no entanto, 30x já é uma taxa extremamente alta, com nível de confiabilidade de mais de 99,99%. E o WGS tem a vantagem de trazer informações de 100% do DNA.

    QUANTO VALEM MESES DE QUALIDADE DE VIDA?

    Com a ferramenta de análise genômica, posso explorar meu DNA e identificar variações (como esta, que me torna propenso a ter cálculos renais)

    Testes como esse custavam bilhões de dólares quando foram inventados, no início deste século 21, e hoje são encontrados por menos de US$ 500. Eu fiz um desses, na Nebula Genomics

    Com a assinatura vitalícia (opcional), tudo saiu por cerca de R$ 2 mil (note: mais barato do que a maioria dos testes de exoma no Brasil). A maior parte das pessoas com quem conversei acha caro, mas eu acho muito, muito barato. 

    Pense comigo: pelo valor correspondente a um ou dois meses de aluguel para uma família pequena de classe média numa capital do Sudeste brasileiro, você pode ter acesso agora mesmo ao seu próprio manual de instruções. 

    Ele vem com alta qualidade, para consultar quantas vezes quiser durante toda sua vida, e ainda servir de consulta para outros membros da família! Em outras palavras: quantos meses de (qualidade de) vida você terá adquirido?

    Já percebeu o significado disso? Desde o início dos tempos, você é a primeira geração da sua família que pode ter acesso a essas informações e utilizá-las para conhecer melhor a si mesmo(a), saber seus pontos fortes e fracos e planejar o seu futuro e até o dos seus filhos. 

    Hoje, já existem ferramentas que possibilitam vasculhar todas as bilhões de letras do seu DNA em tempo real (e de forma automática, claro) em busca de variantes que foram descobertas este ano e publicadas, por exemplo, na edição mais recente da revista Nature.

    Como já tenho meu DNA sequenciado, eu tenho o poder de, toda vez que um novo estudo é publicado, saber se tenho aquela mutação. 

    Por exemplo: recentemente descobri que tenho uma variante genética conhecida como supertaster e que estudos mostraram que pessoas com essa genética tendem a ter maior nível de proteção contra Covid-19

    Em outras palavras, ter o DNA sequenciado é ter um material de consulta permanente e em constante melhoria sobre seu próprio organismo. 

    Seu genoma não é seu destino, mas é parte fundamental dele, e conhecê-lo permite que você tome decisões embasadas e, portanto, melhores para sua saúde.

    Então você já viu como o DNA tem me ajudado a responder à pergunta “para onde vou?”? Na minha opinião, todo recém-nascido merece fazer um sequenciamento completo do DNA e desfrutar dos benefícios desse autoconhecimento. 

    Sem falar no salto que essa atitude traria para a medicina, que tem um par de nomes compostos poderosos para o futuro próximo: medicina personalizada e medicina de precisão.

    E tem mais. Como o sequenciamento completo lê 100% do DNA com alta taxa de precisão, ele também tem utilidades extras para genealogia. 

    Por exemplo, depois que coloquei meu DNA no site YFull (a maior plataforma de haplogrupos genéticos do mundo), acabei formando, junto com um “primo” mexicano, um novo ramo na árvore universal dos haplotipos paternos da humanidade. 

    Isso significa que o simples fato de eu ter sequenciado o meu DNA e colocado nessa plataforma contribuiu para o avanço da ciência que investiga as migrações das populações humanas. 

    E que, a partir de agora, será útil para todas as pessoas que também pertencem a esse ramo ou são curiosas em conhecer os caminhos percorridos pelos nossos ancestrais, comuns ou não. Não é sensacional?! 🤩🧬

    **

    O  jornalista especialista em Mídias Eletrônicas Daniel Schneider é mineiro de Beagá, já foi puzzlemaster em São Paulo, castmember da Disney em Orlando e tirou um sabático em Roma, mas curte mesmo é um bom pão-de-queijo, de preferência em meio a uma conversa sobre as origens do universo, o futuro da genética, o parentesco dos idiomas ou qual o melhor game de RPG de todos os tempos.

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